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Texto sobre Florbela Espanca - Parte IX - FLORBELA E MARCO AURELIO - Por Daniel Teixeira

 

Texto sobre Florbela Espanca - Parte IX - FLORBELA E MARCO AURELIO - Por Daniel Teixeira
 
Quanto a Marco Aurélio e Florbela teremos de nos socorrer de uma mais longa citação vindo a incluir alguns aspectos que desvendam o tipo de relacionamento directo e subjectivo de Florbela com seu irmão:

 

Começa assim a introdução à publicação póstuma do livro «As máscaras do destino», publicado em 1932 e dedicado «A meu querido irmão, ao meu querido morto»:

«Vários grãos de areia, destinados a ser queimados, espalharam-se sobre o mesmo altar. Um caiu mais cedo, outro mais tarde; que lhes importa?» (Marco Aurélio)

 

A edição a que tivemos acesso, dos Pensamentos de Marco Aurélio, no seu Livro IV, versículo 15 diz: «Vês aí numerosos grãos de incenso sobre o mesmo altar. Um cai primeiro, o outro a seguir, nada disso tem importância.»

 

As diferenças encontradas na citação devem-se em grande parte ao facto de Marco Aurélio ter escrito em grego sendo assim os seus textos objecto de várias interpretações sobre a forma de traduzir. Contudo, na versão apresentada por Florbela, cuja edição se desconhece, estão contidas algumas afirmações (que não estando na outra versão que possuímos) nos levam a pensar que se tratou de um tradutor conhecedor da filosofia estóica porquanto o termo «espalhados» no que se refere aos grãos de incenso reflecte a «simpatia universal» estóica que

 

Marco Aurélio refere como sendo o «nó sagrado» que liga todas as coisas e, segundo o qual, todos os seres concorrem para a harmonia do próprio mundo (o que se subentende na ordenação temporal); a mistura total reflecte esta concertação providencial de um mundo em que o homem é apenas uma parte.

 

O problema que se coloca neste texto de Marco Aurélio (e de acordo com a filosofia estóica) não é o facto da sucessão no tempo (neste caso da queda de cada um dos grãos de incenso) mas sim o facto de que ambos são para queimar e são queimados, sendo portanto indiferente a dilação temporal.

 

É justo que façamos esta reflexão prévia ao desenvolvimento que a própria Florbela Espanca faz sobre o texto de Marco Aurélio na medida em que nos parece claro (neste seu primeiro livro em prosa) que a sua intenção, ainda que não muito claramente declarada, é a de diluir essa temporalidade entre a morte acontecida de Apeles e a sua própria morte. Contudo, e neste passo, acho que não se aplica qualquer ideação suicida da parte de Florbela Espanca, mas sim de uma interiorização da sua própria mortalidade.

 

Por isso, entremos no desenvolvimento que Florbela faz:

«Sobre uma pedra tumular ficaria bem esta sentença do mais poeta dos sábios, mas nada de firme, nada de eterno se pode gravar nas ondas, e são elas a pedra do seu túmulo.

 

O grão de incenso que, sobre o altar, caiu mais cedo, ardeu mais cedo; foi apenas um grão de incenso entre o número infinito dos que hão-de cair e arder, entre a imensidade doutros que já caíram, que já arderam; e o infinito desapego, o desesperante abandono, a imensa renúncia do símbolo faz tombar num gesto de resignação as minhas mãos crispadas, tapa-me a boca que quereria gritar, abafa-me os soluços e as blasfémias na ansiosa expectativa do momento em que outro grão de incenso há-de cair e arder…

 

Leia este tema completo a partir de 11/04/2011 



09/04/2011
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