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A MORTE E OS MORTOS - Reflexão de Michel Crayon

 

A MORTE E OS MORTOS - Reflexão de Michel Crayon

 

 

Morrer é, ou deve ser, uma coisa natural embora se tenha sempre alguma dificuldade em entender a morte como tal. Sendo a vida, e o estar vivo o princípio geral e sendo a morte e o morto vitimas de uma ausência que se não manifesta no estado vivo das nossas vidas, é claro que morrer representa como que um afastamento da vida (seja ela dos vivos seja ela dos mortos) porque entre os dois campos (se houver dois campos) não há ligação nem diálogo.


Ressalvam-se as poucas excepções em que o morto continua como que vivo na mente dos seus entes queridos, pela memória, ou por - como disse Camões - «se ter da lei da morte libertado» sendo que esta afirmação tem no seu conteúdo várias graduações. Há quem se liberte da lei da morte um pouco, muito ou bastante mas este facto, esta graduação, depende daquilo que ele fez em vida, do seu comportamento enquanto ser vivo, para se poder manifestar então entre os vivos: pela memória individual ou colectiva.

 

E o morto, neste caso, como em todos, penso, é um ser incorpóreo: a gente vê a imagem mas mais importante que aquela imagem parada (em foto, estátua ou mesmo numa obra exemplar) é a memória daquilo que levou a que ele ascendesse a esse seu grau de imortalidade relativa.

Porque a imortalidade, ela também, é relativa, como a não - imortalidade relativa: não tenhamos ilusões, enquanto vivos procuramos manter-nos vivos, temos alguma autonomia ou capacidade de decisão no processo, de nos mantermos vivos, mas depois de mortos nada podemos fazer neste mundo (dos vivos) para que a nossa morte se mantenha, se altere ou sucumba: são os outros que decidem por nós e nada há mais chato neste vida ou numa outra (se houver) do que depender dos outros para nos mantermos não vivos mas conservando, aperfeiçoando, limando ou eliminando a nossa imortalidade relativa.

 

Esta objectividade total do morto memorialmente vivo é simplesmente total: mesmo que o morto, por mera hipótese pouco académica, quisesse refutar ou negar um aspecto do seu comportamento em vida que tenha eventualmente caído em desuso ou tenha começado a ser criticável ou que mesmo não tenha existido nada pode fazer mesmo que queira (supondo que tem querer).

 

Assim, quando queremos analisar a «vida» de um morto, estamos também a analisar a nossa própria vida, de vivos, quando não estamos falsamente vivos: quanto mais próximos estivermos da incapacidade interventiva do morto mais próximos estamos da morte, da tal de morte natural ainda manifestada sob o estatuto de vivo.

 

Portanto, e fazendo um ligeiro resumo agrupador, há duas formas de se morrer: uma, pouco sinuosa que se rege pelas lei dos calendários, dos eventos, dos acontecimentos e até dos acidentes, que é a morte necessária e que temos tendência a ignorar no seu percurso inexorável, e imparável por maior ou menor que seja a velocidade imprimida ao processo. Nasce-se, logo morre-se; eis a questão.

 

Já a outra morte, que igualmente pode não ter culpa inserida, se divide em vários planos: as pessoas são meros autómatos sociais porque assim tem de ser ou são-no porque querem ou porque nada fazem contra isso. E este querer muitas vezes nem sequer é negligente: a pessoa aproxima-se do estatuto do morto porque acha que é a situação que mais lhe convém.

 

Leia este tema completo a partir de 11/04/2011

 



10/04/2011
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