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Coluna de Manuel Fragata de Morais - A prece dos mal amados - CAPITULO CINCO - A REDONDEZA DA VIDA

 

 

Coluna de Manuel Fragata de Morais - A prece dos mal amados - CAPITULO CINCO - A REDONDEZA DA VIDA

 

Ua-mu-mona mu luanha
u-mu-ijiia ué m’suku.
(Uanhenga Xitu)

 

O salão do hotel estava decorado segundo os preceitos e hábitos dos casamentos luandense. Ao fundo, para quem entrasse, uma mesa central, forrada de cetim branco e plena de folhados laterais dourados que tombavam em cascata alvissareiras até ao chão, e atrás da qual, revelando que a felicidade nupcial se distingue da felicidade dos convivas e parentes, sobressaiam dez cadeiras de encosto alto, igualmente forradas com a cor alva do momento.

No lado esquerdo, e a conveniente distância, outra mesa, esta redonda, albergava um imponente bolo de noiva a quatro níveis, encimado pelo tradicional casal de nubentes, ambos loiros e brancos não obstante os noivos serem negros. Sobre os folhados alvos que lembravam o ondular de qual mar sereno, inclinavam-se, talvez exaustas da longa espera, sete garrafas de champanhe, dentro dos respectivos baldes revestidos de cetim azul e atolados de gelo fino, rodeados por uma floresta de taças alongadas.

As mesas para os convidados, igualmente de cadeiras forradas, de azul celeste, distribuíam-se aleatoriamente pelo salão, no centro do qual fora reservado um largo círculo para a pista de dança. Para qualquer estranho aos hábitos e costumes nacionais, seria difícil afirmar que se vivia num país onde a fome e a desgraça acampavam no quotidiano da vida, tanta e diversa era a comida a abarrotar duas extensas mesas laterais, em alas contrárias, que se estendiam quase por inteiro ao longo do salão. No lado oposto à mesa principal, e em lugares estratégicos devidamente estudados, três bares repletos de tudo que se pudesse desejar consumir em líquidos.

Muitos dos convidados, gente importante e embebida de si mesma, as senhoras olhando-se de revés em enciumadas congeminações não exteriorizadas, caso contrário correr-se-ia o risco de cenas antigas de quintalão, já se encontravam no local aguardando a chegada dos noivos, idos pavonear a muita abastança e o pouco pudor pela Ilha do Cabo, num vasto e ruidoso cortejo de buzinadas cadenciadas e intermitentes ligados, com um operador de vídeo sentado na janela da frente do primeiro carro a filmar não se sabe bem o quê, sendo a iluminação pública precária aqui, inexistente ali. Por fim o cortejo chegou e, pouco após, os sons de uma das mais famosas valsas de Johann Strauss, o Danúbio Azul, ecoaram pelo recinto, deixando os convidados perplexos pois esperavam a tradicional marcha nupcial de Felix Mendelsshon.

Numa imagem enublada, aparecem na penumbra do hall de entrada os noivos ladeados de um cortejo de jovens trajados, eles, de jaquetas azul-escuro e perucas brancas amarradas atrás com o laço de cetim. Elas, igualmente de perucas de caracóis brancos que tombavam em cacho pelos ombros destapados, trajavam longos vestidos azul-claro de decotes ousados a sugerirem seios de ilusória dureza, anichados inconformadamente em sutiãs demasiado pequenos. Todos de luvas brancas, numa vistosa e comovente reprodução da corte austríaca do século XIX.

Os nubentes pararam à entrada, enquanto as alas dos bailarinos da invisível corte europeia evoluíram, no salão, em passos estudados e ensaiados ao detalhe. Pé masculino calçado em botim envernizado e pontiagudo para a frente, pé feminino calçado em sapatinho dourado para atrás. Reviravolta para a direita, mão esquerda atrás das costas na majestosa vénia à dama que, modesta, coloca o seu pezinho atrás para vergar o torso ligeiramente em gracioso sorriso de agradecimento e revelar aos embasbacados maridos, namorados, noivos e demais machos, os portentosos atributos peitorais, promessas vagas de um inacessível jardim das delícias.

 

Leia este tema completo a partir de 20/06/2011

 

 



18/06/2011
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