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Crónicas e ficções soltas - Alcoutim - Recordações XXX - Por Daniel Teixeira - A moura encantada do meu avô

 

Crónicas e ficções soltas - Alcoutim - Recordações XXX - Por Daniel Teixeira - A moura encantada do meu avô
 
O meu avô era aquilo que eu hoje defino como sendo «um velhote porreiro». Nunca se zangava (a não ser com as teimosias dos burros) e a única vez que o vi exaltado foi quando recebeu o aviso do pagamento das contribuições com uma valor superior ao habitual: a diferença era pequena, ao que me lembro, um escudo e meio a mais que nos anos anteriores mas o velhote ficou fulo mesmo e não se cansou de propagandear e contestar junto dos outros aquilo que considerava ser uma injustiça.

 

Era uma injustiça, entendia ele, e deveria entender segundo a minha lógica porque cada vez tirava menos da exploração das terras e não era normal que quanto menos se ganhasse mais se pagasse de impostos.

 

Ainda arranjou uns quantos lesados como ele na roda, tiveram exaltados conciliábulos mas tudo ficou por ali, pelo protesto sem consequências e tal como hoje uma parte das festas e festarolas foram sendo pagas pelos meus avós e outros que realmente produziam, que trabalhavam no duro as suas terras, de sol a sol como se costuma dizer.

 

«Pitos e flaitas» pagos com pelo menos uma parte do suor e das frustrações daqueles que arrancavam da terra produções miseráveis de seis, sete sementes, que levavam dias na debulha, com os pobres dos animais ali às voltas para soltar o trigo da espiga, que batiam quando era o caso a palha durante horas de enfiada com paus.

 

Estes paus eram verdadeiros troncos, polidos pelo uso, para aí com dez centímetros de diâmetro e um metro de comprido, pelo menos, com um cabo em punho que fazia articulação por via de uma corda intermediando. Trabalhavam quase frente a frente, dois a dois, cruzando as batidas para arrancar o centeio ou a cevada. Levavam nisso horas com curtos intervalos para beber água. Eu não tinha ainda capacidade de «ler» nas entrelinhas dos gestos mas agora acredito que muitas daquelas porradas na palha e no solo das eiras foram dadas com raiva, com aquela revolta surda de quem vê literalmente a vida a andar para trás.
 

 Leia este tema completo a partir de 18/6/2012



16/06/2012
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