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Filipe - Conto de Liliana Josué

Filipe - Conto de Liliana Josué

O ancião contemplava, de expressão ausente, a exuberância da paisagem. Com esse enganoso olhar, apenas a si confessava como tudo aquilo lhe era tão nostalgicamente familiar.
Sentado sob o alpendre da velha casa de família, assinalava , de cor, cada árvore e cada arbusto que por ali se estendiam.
 
O vale oferecia uma bucólica paisagem de generosos matizes verdes, amarelos e castanhos.
A terra ..., essa era de tom negro nos sítios onde fora revolvida para que, daí a algum tempo, pudesse rebentar vida desse ventre desnudado. A restante ; a que se encontrava apenas zelando pelos filhos já nascidos: essa era cor de mel: doce e suave.

O homem idoso também sentia prazer em admirar as flores que marinhavam, sorrateiras, varanda acima . A custo, erguia-se do banco de pedra e tocava uma delas. Flores ..., tantas flores salpicando de mil tons as brancas paredes da velha casa de província.
A debilidade provocada pelo tempo, sentia-a escorrer-lhe pelo corpo como lodo traiçoeiro. Ainda era um homem válido, perfeitamente lúcido mas, já com tantas limitações. «O canalha não perdoa», balbuciava consigo próprio.

Tal como toda a gente tivera a sua infância e juventude.
Parte dela fora passada entre aquele lugar e Lisboa.
Carregara uma infância débil, muito propenso a doenças. Agora recordava as palavras dos seus progenitores tais como: - «A luz de sol via-se-te através das tuas orelhas». Muitos sustos preguei a meus pais - .
 
No meio de toda aquela fragilidade era uma criança impulsiva, tocando a rebeldia.
Quando lhe dava gana, deleitava-se a narrar aos filhos, algumas das traquinices protagonizadas durante os seus verdes anos.
 
De olhinhos brilhantes começava: - Meninos, para que entendam melhor o «bichinho» que eu era, vou contar uma das minhas tantas implicâncias: Certa altura, estando minha mãe a preparar o lanche para mim e meus irmãos (como acontecia todos os dias) decidi reivindicar.
Tal como os outros, era obsequiado com um leite quentinho e o respectivo pão escuro barrado de manteiga. Sentei-me a observar o recipiente. De repente, olho para a mãe indignado exigindo: «Mãezinha, eu quero o copo cheio».
 
Ela, coitada, de expressão meio zangada retorquiu: «Filipe, o copo está cheio». Por instantes permaneci calado, mas foi mais forte do que eu e tornei a insistir: « Mãezinha, quero o copo cheio!». A resposta dela voltou a ser a mesma.
Esta reciproca prova de resistência durou mais uns instantes até que, minha mãe, de expressão carrancuda e esticando o indicador em direcção ao meu nariz sentenciou: «Filipe, se voltas ao mesmo dou-te uma palmada».

Encolhi-me um pouco e calei-me mas, não podendo aguentar mais ripostei numa explosão: «Mas... Mãezinha, depois de apanhar a palmada posso beber o copo cheio?».
Ao recordar tudo isto, ali sentado, no alpendre da sua infância, uma lágrima teimosa caía-lhe nas mãos. Então, limpava discretamente a traiçoeira, não fosse alguém dar por isso.
Ah! ... e como era bom brincar com os manos e os meninos da sua rua. Correr com o arco, construir carros de madeira deslizando com velhos rolamentos pedidos nas oficinas. Que sensação de liberdade. Encarrapitavam-se neles a voar pela rua inclinada.

 

Leia este tema completo a partir de 16/05/2011



14/05/2011
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