Raizonline - Jornal - Radio - Portal

Jornal Raizonline nº 134 de 22 de Agosto de 2011 - COLUNA UM - Daniel Teixeira - A proximidade longínqua

 

Jornal Raizonline nº 134 de 22 de Agosto de 2011 - COLUNA UM - Daniel Teixeira - A proximidade longínqua

 

Havia um conto que constava num livro de leitura oficial de escola e cujo autor me não lembro , talvez Ramalho Ortigão dado o sentido de humor subjacente - ou um outro mesmo sem sentido de humor - que contava a história de uma família, abastada pelos vistos, que por voltas do principio do século XX lia o seu jornal na sala aconchegada com lareira e comentava as desgraças que eram relatadas nesse mesmo exemplar de jornal.

 

Um acidente de comboio tinha levado 50 pessoas, por exemplo e uma cheias na índia tinham arrastado casas e pessoas em números verdadeiramente significativos: «coitados, coitados!» lamentavam todos entre chávenas de chá e bolinhos a propósito e os homens dando baforadas nos seus cachimbos.

Eis senão quando aparece o criado (era nesse tempo) da vizinha senhora Marquesa de qualquer coisa a informar que sua excelência (a Marquesa) não poderia vir ao chá combinado naquela casa para a dia seguinte dado que tinha torcido um pé isto para além de não poder movimentar-se e estar com dores horríveis.

Acabou-se então a calma leitura do jornal naquela sala, o acidente de comboio com tantos mortos e o cataclismo na índia passaram para segundo plano e foram jogados para uma mesa: a senhora, apesar do adiantado da hora dispôs-se logo a deslocar-se a casa da infeliz vizinha e surgiram sugestões de pomadas e mezinhas em profusão. Acompanhada das filhas lá foi a dama a casa da Marquesa, o esposo desta prontificou-se a ir buscar o médico algures, dado que «nestas  coisas nunca se sabe» e se «ela tivesse partido o pé como seria e etc. etc.».

A moral da história, se é que há mesmo moral, é que a proximidade ultrapassa em muito gravidades maiores, que normalmente acontecem a desconhecidos, e que as relações de vizinhança e conhecimento pessoal neste caso despoletam todo um conjunto de reacções e potenciais especulações cuidadosas e preventivas.

A história é escrita precisamente com esse sentido, com a intenção de descrever prioridades, de reconhecer ainda que de forma irónica que elas existem de forma quase natural e que nada de criticável deve ser apontado a esta disparidade de comportamentos porque no fundo as coisas são mesmo assim.

No mundo em que se vive hoje, em que são encontrados idosos falecidos ao final de anos (ainda recentemente aqui na minha terra foi encontrada em casa uma velhota com 15 dias de falecida) para além da imoralidade aparente da história interessa sempre perguntar o que é feito das relações de vizinhança e aquilo que a vida citadina constrói no seu aglomerado conjunto.

 

Leia este tema completo a partir de 22/8/2011

 



22/08/2011
0 Poster un commentaire

Inscrivez-vous au blog

Soyez prévenu par email des prochaines mises à jour

Rejoignez les 17 autres membres