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Texto sobre Florbela Espanca - Parte XI - A EPISTOLOGRAFIA DE FLORBELA - Por Daniel Teixeira

Texto sobre Florbela Espanca - Parte XI - A EPISTOLOGRAFIA DE FLORBELA - Por Daniel Teixeira

 
A EPISTOLOGRAFIA DE FLORBELA

 
Uma das coisas que mais interessante pode notar-se em Florbela Espanca e na imagem que tem sido criada dela é que, sendo Florbela uma «poetiza do amor», do «amor impossível» ou do «amor não correspondido» e tendo ela escrito um diário, amputado nas publicações, é certo, mas mesmo assim um diário, que nele ou nas suas inúmeras cartas que chegam ao conhecimento do público não seja encontrada uma única carta de amor, ou mesmo uma carta que não sendo de forma directa e explícita uma carta de amor, venha a demonstrar os passos de um processo amoroso. Encontram-se alguns traços de galanteria nalguma da sua prosa e pouco mais…

 

Já escrevemos noutro capítulo destes textos que a ênfase sobre o amor colocado por Florbela Espanca, na sua poética e na sua prosa é o ideal de um amor platónico no sentido menos sensitivo do mesmo, ou seja, um amor que a existir apenas pode existir pela forma escrita. Não há vestígios de toque, existem referências ao beijo, aos lábios, às mãos e uma razoável quantidade de alegorias e metáforas que têm fundamentado um pretenso erotismo em Florbela Espanca mas que não entram no campo do sensualismo.

 

Aliás, e correndo o risco de não sermos muito delicados, as únicas referências ou sugestões que se encontram sobre a sexualidade de Florbela Espanca são aquelas que resultam da enunciação dos seus dois abortos espontâneos. Mas vejamos como ela descreve a vida de casada: como um agasalho rodeado de gente simpática e atenciosa.

 

«E quanto a mim podes finalmente estar sossegado; por um dos tais acasos, mas este raramente feliz, encontrei na vida aquele que o acaso me deveria ter feito encontrar mais cedo. Assim encontrei-o já envelhecida, com pouca saúde e pouco gosto de viver. Tudo o que tem sido possível fazer-se tem-no ele feito por mim: apanhou o farrapinho, aqueceu-o e anda agora com ele junto ao coração como se fosse um tesouro.

 

Eu não sabia o que era tratarem-me bem, andava a pensar como seria e agora é que o sei. Tanto o meu marido como a família dele são muito meus amigos e cá estou muito bem. Podes pois estar sossegado, meu irmão querido, o teu pesadelo está enfim sem fazer tolices, disposta e envelhecer tranquila e a morrer em paz.»

 

O que nos resta como imagem visível de Florbela é a sua iconografia, algo agressiva, pouco sensual (mesmo tendo em conta os valores estéticos da época) e algumas referências ao facto de ela ser uma mulher atraente. Isto para além da sua poesia e da sua prosa, como é evidente.

 

Não escreveu, Florbela Espanca, pelo menos aparentemente, cartas de amor, mas carta de ruptura temos uma interessante, aquela que Florbela terá escrito quando decide romper o seu primeiro casamento:

 

«Estou cansada. Estou resignada. Já quase tudo me é indiferente. Eu espero, como já te disse, não discursos mas resoluções. Poupa-me a mais mágoas, que é uma obra de caridade. Adeus. Florbela.» Mas mesmo esta carta é extraordinariamente seca e mais não faz do que por o selo numa relação acabada desde havia muito (havia cinco anos, sensivelmente) tal como se pode ver na sua carta a Júlia Alves já aqui referida.

 

Falta disso, das cartas de amor numa mulher que tanto e tão diversamente «amou» socorremo-nos logicamente da sua poesia para a apelidar de intimista (o que é verdade) e para encontrar nessa mesma poesia os traços da intimidade e as suas manifestações de amor que ela, eventualmente, revelaria caso fossem publicadas cartas de amor suas.

 

No entanto são várias as referências epistolares às suas queixas quer a Guido Battelli quer a Júlia Alves, sendo a um e outro atribuída uma «relação de cumplicidade» com Florbela, que não tem nada de estranho mas que se processa essa relação de cumplicidade em paralelo e sem nunca se encontrarem, pelo menos que se saiba (Battelli e Júlia).

 

Ora, a «auto-devassa» da interioridade dos autores, sendo bastante utilizada em toda a história, é ao mesmo tempo uma revelação consentida e ficcionada. Uma forma de escrever, um estilo: o epistolar. Desde Montesquieu e as suas Cartas Persas até Maquiavel e o seu Príncipe ou mesmo D. Francisco Manuel de Melo e a sua Carta de Guia de Casados, trata-se de uma forma de escrever, como qualquer outra.

 

Na literatura das cartas (e não na Epistolografia como estilo), mesmo que as palavras escritas pareçam sinceras e verdadeiras ninguém acredita piamente nelas senão quando são lidas ou publicadas contra o consentimento do seu autor.

Leia este tema completo a partir de 30/05/2011

 



28/05/2011
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