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UM CONTO DE VIRGINIA TEIXEIRA - Pânico

 

UM CONTO DE VIRGINIA TEIXEIRA - Pânico
 

Sente um medo avassalador. Não há palavra menos pretensiosa que possa descrever este medo. E um medo que lhe sacode o corpo em intermitentes espasmos e o coração parece saltar-lhe do peito a cada instante. Uma palpitação, duas palpitações, tão rápidas que o próprio corpo parece pequeno para trabalhar àquela velocidade.

 

Está deitada, e mesmo assim parece que esteve a correr uma maratona. Está suada, despenteada e dorida. Os próprios músculos começam a dar sinal de si perante o esforço dos espasmos e da tremura. Não consegue explicar o que sente, não entende o corpo e muito menos entende como chegou ali. Ela, que controla tanto a própria vida, não consegue controlar o próprio corpo e isso está a deixá-la louca.
 
Mas nunca foi assim. Vive com medo de morrer e de estar doente há muito tempo, mas nunca tremeu assim. Não sabe porquê. Está a morrer. No fundo tem a certeza absoluta que o corpo está a começar a falhar e que o que sente é o princípio do fim. O coração palpita tão velozmente porque está a desligar-se. Está a morrer. Um enfarte.

 

Talvez um AVC (a dor de cabeça é quase insuportável). E no entanto, outra parte dela tenta convencer-se que nada daquilo é real. Que tem de se acalmar, respirar fundo e pensar em coisas boas. E ela tenta, mas o corpo é maior que ela. Não há pensamento feliz que a ajude. Não há nada que a salve. Está sozinha num quarto, a sentir-se morrer, e sabe que não tem ninguém. Pelo menos ninguém que lhe saiba estender a mão e salvar.

 

O corpo dói-lhe, sente-se incapaz de sequer se levantar, tamanho o dorido dos músculos, mas esforça-se para alcançar a caixinha na mesa-de-cabeceira. Foi assim que a mãe a tentou ajudar. Tira da caixa, com a mão a tremer tanto que quase deixa cair o tampo, um calmante. Abre-o, sedenta da paz que aquilo lhe pode trazer. Há tempos que não dorme sem um calmante na mesa-de-cabeceira. Há tempos que não sai sem um na carteira. É a maneira que a mãe arranjou de a ajudar.
 
E pouco, admite, mas o conforto que lhe traz, segundos depois, chega para aquele momento. Fecha os olhos e pensa em coisas bonitas que viveu. Pensa no cão, pensa em quando era feliz, e tenta acalmar-se. Lembra-se de ter pensado que tinha cancro, nessa noite. Mas foi muito antes de começar a tremer. Depois lembra-se que já uma vez tremeu assim, quando recebeu umas análises com valores alterados que, estupidamente, procurou na net, e indicavam um cancro do fígado. Depois do médico ter visto os valores, riu-se e disse que não era «significativo».
 
E ela parou de tremer um pouco, mas o medo ficou. E naquela noite, não sabe porquê, voltou a sentir aquele medo avassalador. A ideia estava alojada na sua mente desde há muito, desde antes das análises, há meses, pareciam-lhe anos. Em certo ponto, a morte deixara de ser uma ideia confortável, para se tornar no maior pesadelo da sua vida. E a sua vida, que estava a destruir-se por causa daquele medo, era o que ela queria intensamente agarrar. Não queria morrer, mas o medo de morrer estava a destruir-lhe a vida. Uma ironia quase cómica, se fosse capaz de se rir.
 
Em vez disso, deitou-se para o lado, em posição fetal, e rezou baixinho, à espera que o comprimido fizesse efeito. O medo ia continuar, sabia disso, mas só queria que o corpo lhe voltasse a responder às ordens. Não queria aquele corpo que se mexia por si mesmo, aquele corpo que se recusava a estar quieto, a deixar de tremer com os espasmos.

 

Leia este tema completo a partir de 27/06/2011

 

 

 

 



26/06/2011
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